domingo, 22 de dezembro de 2013

Das percas

Da primeira vez que perdi alguém em minha vida, eu tinha 10 anos, lembro como se fosse hoje do seu grito, eu estava na sala almoçando e um grito estrondoso suou por toda a casa, eu sabia que aquilo que era um grito de pavor e morte, havia tirado algo de mim. E agora quando penso, sei que  o que no fundo doía mais era por ter deixado algo incompleto, eu tinha planos com aquela pessoa, minha tia tinha marcado um compromisso de comermos biscoito de chocolate juntas naquela tarde, a morte não podia tê-la levado de mim assim, sem avisar, de supetão. E a esperança de comer biscoitos de chocolate ao lado da tia, aquele momento daquela garota de 10 anos que não existe mais, não vai nunca mais acontecer e eu tenho que superar este fato. De fato não o superei. Mas parou de doer mais, fui descobrindo que há coisas que podem doer, mas com o tempo você acaba se acostumando, vendo que foge do seu controle de pessoa comum.

Da segunda vez, já aos 20 e poucos, quando perdi meu pai, também sem esperar, soube através de uma ligação telefônica de meu primo que todo entre dedos me contou. Eu agi friamente, como se nada tivesse acontecido, mas por dentro, eu estava decepcionada, mais uma vez perdia alguém que tinha planos, perdi alguém que queria muito conversar e dizer o quanto estava bem, o quanto tinha evoluído e o quanto ele havia perdido em não ter convivido comigo. Nao por maldade eu queria ter feito isso, mas por vaidade, queria que ele se orgulhasse da filha que tinha e se arrependesse por não ter convido comigo, e que tentasse reaver o tempo perdido, que fosse meu amigo.

Agora neste momento, a morte não me levou ninguém, o que não sei se é pior ou melhor, pois com a morte temos uma perda concreta, mas foi uma perca, uma perca que assim como todas as outras que me traumatizaram, me deixou uma dívida, um plano inacabado e talvez por isso doa do mesmo modo que as minhas outras percas, pois eu tinha planos, e estes planos não vao ser nunca concretizados. Como fica a minha ceia de natal prometida? Como ficam as viagens planejadas? As chuvas de dezembro que foram prometidas serem contempladas juntas?  Embora eu um dia realize tudo isso com outra pessoa, não terá o mesmo gosto, o mesmo sabor, pois esta pessoa que vos escreve neste momento, daqui há uns anos, ou até mesmo daqui há uns dias ou minutos, terá morrido.

No fundo, a inocência de uma pessoa que faz planos tão sutis, e não tem a oportunidade de realiza-los, esta pessoa morre aos poucos, torna-se igual. A diferença entre as pessoas está na capacidade de se manter resiliente diante dessas situações, ou de humanamente morrer.

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